Sétima fase - 2001/2005_ Gaoranger, Hurricanger, Abaranger, Dekaranger, Magiranger
Uma evolução com revolução. Esta fase, desencadeada pela virada do milênio, não poderia nos reservar menos que isso. Ainda que fossem muitos os atributos inovadores, nada chamaria tanta atenção aqui quanto a grande recriação da estética visual, profunda o suficiente para ameaçar toda a aura clássica que os Super Sentais carregavam desde Goranger. Nessa mesma trilha, os roteiros a serem criados também não ficariam ilesos às novas transformações. Depois de passarem cerca de 16 anos tentando "prever o futuro" através de suas histórias fantasiosas, era necessário agora observar melhor o presente_ pois o século XXI já era algo real. Por coisas assim, essa fase pode ser vista como a mais delicada do processo de desenvolvimento do gênero. É a partir daqui que percebemos a maioria das mudanças em relação a tudo que vimos antes. E é a partir daqui também que teremos muito mais dificuldade para perceber as mudanças em relação a tudo que ainda virá depois.
Mudanças estas que quase não influíam do que já se conhecia dos procedimentos de filmagem. A carta na manga da vez era o pós-produção. O abandono das edições em película após Timeranger deixaria a série seguinte, Gaoranger, à vontade o suficiente para demonstrar que o uso do GFX como substituto traria benefícios muito além da gama de efeitos especiais mirabolantes que todos aguardavam. Isso porque as possibilidades da computação gráfica eram muitas.
Além da geração de imagens irreais para o olho comum, os retoques em pontos importantes das sequências editadas ampliavam a nitidez das cenas e davam forma e presença para itens que recorriam à animação_ caso dos Power Animals de Gaoranger, os Bakuriyus de Abaranger e muitos outros similares. A cada recriação, ao invés da habitual colagem de película, um conjunto de pixels da tela era tratado até chegar a seu objetivo, modelando uma área da imagem e se ajustando a outras. Posteriormente, o surgimento de placas de vídeo e processadores mais poderosos iriam aprimorar mais ainda esse trabalho, vasculhando e tratando áreas cada vez menores de pixels. Quanto menor a área, maior o realismo que a cena ganharia. A evolução, além de complexa como nunca, passaria a ser traçada por uma linha muito tênue. O novo e o obsoleto seriam mais fáceis de serem vivenciados do que simplesmente percebidos.
Justamente por causa disso eu tive grande dificuldade para determinar o limite que daria para esta fase, mesmo analisando profundamente algumas mudanças_ todas sutis demais para garantir uma alteração convicta no "clima" das séries. Pensei muitas vezes em isolar Gaoranger e Hurricanger das demais. Porém, se por um lado eles são parecidos em aspectos de projeção, por outro exibem vários recursos que ainda podem ser encontrados até Magiranger (como o nível de velocidade numa simulação de voo, na representação gráfica de um gattai, etc). Também acho que seria meio injusto com alguns leitores que esperaram mais de um ano por uma nova parte desta matéria receberem uma visão sobre apenas dois Super Sentais. Mas, de qualquer forma, é importante que saibamos de antemão o quão difícil será, a partir de agora, a divisão de fases dentro daquilo que estamos habituados.
O controle de excessos foi o maior desafio para os profissionais que estavam produzindo sob a nova tecnologia. Visivelmente deslumbrados com as possibilidades do GFX, os criadores aplicavam graphics em quantidade muito superior a hoje, mesmo cientes do estágio ainda cru dessa conquista. O realismo foi preterido por diversas vezes para a velocidade, seja no desempenho de uma arma, seja na mobilidade de um mecha. Um exemplo nítido disso pode ser visto no gattai do AbarenOh, cuja formação e combinação de partes é feita do início ao fim por meio de processo gráfico. Quando passa para o plano real (ou seja, com dublês e maquetes), as diferenças saltam aos olhos, num grau não muito menor que o provocado pelos efeitos falsos e simples dos primórdios. O que era lento e mecanizado passa a ser rápido e fantástico, imediatamente fazendo nascer um obstáculo chamado continuidade. Ao longo dessa fase, esse mal foi administrado como que em cima de uma gangorra, já que só Hurricanger e Dekaranger se esforçaram na maneira de manobrar as novidades da computação.
Das outras conquistas, foi nesta fase que se descobriu o cinema como uma grande fonte de lucro. Combinado ao já tradicional câmbio de produtos manufaturados, o cinema seria outra garantia para que marcas como o Super Sentai não precisassem ser exportadas com tanta frequência (só uns poucos países asiáticos, como as Filipinas, ainda seriam compradores). Algo triste para alguns fãs saudosistas do antigo eixo Brasil-França-etc, mas fundamental para o desenvolvimento de roteiros com mais liberdade para tratar de aspectos culturais do Japão, sem medo de soar estranho aos olhos de outras nações. Pouco mais à frente, o merchandising seria outro beneficiário desse processo "Sentai 100% Japan", quase sempre tendo em seus filmes para cinema o foco da propaganda. Hoje em dia, cada nova série Sentai rende, no mínimo, dois filmes para cinema, com seus personagens aparecendo ao menos em quatro. Produções extra podem surgir ainda na forma de especiais para TV, que muitas vezes servem como laboratório no experimento de novas tecnologias. Dentro disso, "Gaoranger Vs Super Sentai" ficaria marcado como um modelo de produção extra bem sucedida. A comemoração dos 25 anos de criação do gênero teve uma homenagem à altura, já que mostrou diferenças visuais gritantes na projeção de efeitos especiais, até para séries com menos de dois anos da exibição original.
Compromisso com a emoção
Claro que tanta inovação teria um preço. Para boa parte dos fãs, alguns Sentais desta e da próxima fase eram bem menos envolventes como um todo, se comparados a outros anteriores. Já vi diversas críticas a superficialidade dos roteiros de Gaoranger e Hurricanger, que se apoiaram em temas já batidos. Uma verdade parcial, já que o primeiro soube compensar o retorno ao tema "animais" com um núcleo nada desprezível de vilões, enquanto que o segundo retornou ao tema "ninja" incluindo aquilo que mais faltou em Kakuranger: a rivalidade entre duas escolas.
Em Gaoranger, a hierarquia flutuante dos Highness Duke dispensava uma liderança específica para os Orgs. E em Hurricanger, por várias vezes os irmãos Goraiger pareceram mais próximos do maligno Império Jakanja do que do trio de heróis. Na criação, Gaoranger ainda contribuiria com uma fantástica safra de monstros criativos (referência ainda hoje) e com uma trilha sonora que pode ser considerada a última a ter seguido a linha inovadora de Timeranger (exemplo notável disso foi a música assumidamente lenta da ending).
Já Hurricanger traria também outra novidade forte o suficiente para perdurar até os dias atuais: a partir do episódio 35, essa série passou a apresentar uma inédita introdução à aventura do dia, antes mesmo da abertura. Esse novo modelo de exibição prévia passaria a ser de grande utilidade para seriados futuros_a se notar por Dekaranger. No Sentai policial, por exemplo, ele serviria para apresentar aos espectadores os detalhes iniciais do caso a ser resolvido por Ban e seus companheiros_ algo que, de certa forma, ajudava a segurar a atenção de quem começara a assistir o episódio em questão.
Mas, no meu modo de ver, o que realmente prendia o espectador a acompanhar esses seriados se concentrava, basicamente, no novo protótipo que estava sendo desenvolvido para as narrações preliminares das tramas e seus grandes momentos. A partir daqui, passou a ser certeza que o esquema habitual visto até então nos episódios iniciais já havia desmoronado. Livres da obrigação de fazer apresentações e narrar origens_ algo que tomava quase todo o tempo de duração deles_, os episódios de estreia passariam a ter mais autonomia para se concentrar em itens como a ação e a fotografia, sempre em busca da velha máxima "a primeira impressão é a que fica". Fatos corriqueiros e biográficos seriam, a partir de agora, diluídos ao longo de todo o seriado, aleatoriamente e de acordo com as circunstâncias. Essa originalidade sobre as estreias pode ter se consumado aqui, mas não devemos ignorar que na fase anterior Gingaman já havia ajudado a estabelecer um novo padrão de ritmo para os episódios iniciais desse gênero, ampliando o número de acontecimentos relevantes num curto espaço de capítulos. Algo que também já havia sido feito na quarta fase, com Liveman, ainda que sem encontrar continuidade pelos dez anos seguintes.
A expectativa dos fãs por novas surpresas a cada episódio era muito maior do que antes e ainda se somava a emoção que essas mesmas surpresas poderiam incluir. Isso porque, independente do quão monótonas fossem, as séries desta fase sempre reservaram ao menos um momento de emoção especial a quem acompanhasse assiduamente seu desenrolar. Exemplos disso seriam a chegada de novos Power Animals em Gaoranger, a união definitiva dos Hurricanger com os Goraiger, simbolizada no Fuuraimaru, os momentos de elevação dos Dino Guts em Abaranger ou a primeira luta de Doggie Krugger como Deka Master. Como não era possível prever quando aconteceria algum momento especial, nem tampouco quando alguma origem seria revelada (ou explicada), a regularidade na frente da telinha passou a ser quase um compromisso de qualquer espectador.
Tal fidelidade, no entanto, era sempre recompensada. Nunca antes houveram arcos tão complexos e bem-acabados como os vistos em Gaoranger e Magiranger, cujos desfechos são tão ou mais admiráveis do que a conclusão final dos próprios seriados. Tanto que foi através de um desses arcos_ o da saga de Rouki, em Gaoranger_ que mais uma evolução profunda foi concretizada na franquia. Na história, um guerreiro de tempos antigos sofria por carregar uma maldição conhecida como "Mal dos Mil Anos". Esse mal só é disseminado após a derrota do Highness Duke Ura na batalha que deu origem ao Gao Icarus, um robô de combate cuja agilidade no voo superava em muito a do Wing Mega Voyager (de Megaranger, 1997). Pincelada pela criação gráfica, essa evolução resultou na combinação perfeita do pioneirismo do Dai Robotto (de Battle Fever J) com a mágica do Variblune (do visionário Goranger). Reparem bem como foram necessários mais de 20 anos para uma evolução desse porte num dos itens mais importantes dos Super Sentais. Após breve pausa, os robôs gigantes voadores teriam seu representante também em Dekaranger, e se tornariam habituais em pouco tempo.
Tanto quanto isso, o bom trabalho que os extra-rangers tiveram desde o início ganhou um novo impulso de criatividade nesta fase. Bem diferente de hoje, onde eles desempenham papéis cada vez mais padronizados e previsíveis, naquela época as sagas e origens dos membros suplentes continuavam surpreendendo. Mesmo aqueles que não podem ser considerados como o "guerreiro número 6" oficial da equipe (caso do Abare Black), provam que evidentes esforços foram feitos nesta fase especificamente para eles. Hurricanger, por exemplo, foi rebuscar a fórmula do Sentai de três membros lá na década de 80 para ter como inserir depois os Goraiger, seguidos pelo Shurikenger_ o único elo que unia a inicialmente conflituosa relação entre as escolas Hayate e Ikazuchi. Já a personalidade rebelde que sempre foi clichê em muitos extras de antes e de depois de Abaranger ultrapassou todos os limites na figura do Abare Killer. Suas atuações mais marcantes se resumiam à obsessão que ele tinha em estabelecer jogos comparativos de poder contra os membros principais, quase sempre tomando-lhes os Bakuryus e desafiando os limites de sua própria vida. Após ele, os extras de Dekaranger e Magiranger nasceriam com mais tino comercial. Deka Break e Magi Shine eram como um suporte fixo para vários outros rangers que teriam aparições esporádicas e bem menos frequentes, mas suficientes para gerarem produtos derivados de suas imagens.
Esse mesmo talento empreendedor permitiu que Gaoranger criasse um sortimento maior de mechas e, com isso, inovasse ainda mais uma vez junto ao campo dos robôs de combate. Novas combinações poderiam ser feitas agora apenas para armar o guerreiro gigante, ao invés de só dar-lhe um corpo básico. Originalmente, essas combinações são chamadas de busou, e seguem sendo muito importantes para os Super Sentais dos dias atuais. O primeiro mecha busou da história foi o Gao Elephant, conquista da Gao White. Quando combinado ao Gao King, desempenhava a função de espada e escudo, após dividir-se em dois_ gerando o Gao King Sword and Shield. Tão surpreendente quanto isso seria a possibilidade de alguns mecha busou do futuro terem utilidade diferente em alguns robôs secundários, aí já como algum membro ou parte do corpo do mesmo.
Guerra, romance e influência
Eu já falei por aqui sobre a criatividade na concepção dos monstros como um dos grandes trunfos de Gaoranger. Pois um exemplo prático disso pode ser visto também em Abaranger. O Torinoid de nome Yatsudenwani conquistou os fãs tanto quanto os heróis, o que fez dele um dos poucos monstros guerreiros a ter um papel longo e relevante numa série Sentai. Ao invés de ser destruído em um ou dois episódios, o bicho_ mistura de jacaré com telefone_ foi mantido na história para nos fazer rir, seja servindo de escravo aos caprichos do Abare Killer, seja paquerando continuamente a Ranru/ Abare Yellow.
Mas, para que a tradição não fosse ainda totalmente esquecida, quis a sorte que uma das maiores inovações trazidas especificamente por Abaranger beneficiasse o guerreiro Red da história acima dos demais. A forma AbareMax do AbaRed foi o primeiro upgrade oficial em um Super Sentai. Através dele, seu usuário Ryuoga Hakua ganhava uma força descomunal, criava uma dimensão paralela para lutar (o MaxField) e até sofria alterações na voz, provocadas pelo excesso de poder que a forma lhe concedia. No ano seguinte, os upgrades reapareceriam em outra versão (a Dekaranger S.W.A.T. Mode), que já tinha o mérito de fortalecer a equipe completa. Ainda hoje as séries do gênero dispõem de liberdade para decidir se seus upgrades serão exclusivos a um membro (geralmente, o Red) ou distribuídos por igual entre os guerreiros principais do time.
Mesmo sendo difícil apontar pontos negativos em Abaranger, acho uma pena que, até o presente, essa série ainda não tenha ganho uma legendagem em português com a qualidade que merecia_ isso, logicamente, no meu ponto de vista_, principalmente no que se refere aos primeiros dez episódios. Para uma compreensão íntegra, eu recomendaria a tradução em inglês, cuja solidez é fundamental na ligação com o final do seriado_ para mim, um dos finais mais bonitos e recompensadores que já vi em tokusatsu.
Em 2004, Dekaranger teve a ousadia de apostar na queda de uma tradição até então intocável nos Super Sentais. Pela primeira vez, nenhum império ou organização vilã iria ameaçar a paz da Terra. Como policiais, as missões a serem cumpridas pelos Dekaranger pediam mais dinâmica do que aquele padrão poderia oferecer_ a mesma dinâmica que foi a grande ausência (e único defeito) no excelente GoGo V cinco anos antes.
Assim, com uma equipe que combatia apenas alienígenas criminosos, arruaceiros e algumas outras surpresas, Dekaranger conseguiu ser envolvente do início ao fim. A própria falta de uma padronização para os inimigos do esquadrão abria espaço para uma imprevisibilidade tentadora. A figura do Agente Abrera_ o único vilão frequente da trama, que contratava capangas de todo o universo para atingir intencionalmente os S.P.D._ pode ser comparada, no máximo, à da Bruxa Bandora, de Zyuranger. Mas lembremos que até ela, apesar de sua organização não ter um nome formal, dispunha de vários servos diretos e dedicados_ o que já é suficiente para configurar uma quadrilha do mal.
Outro exemplo de evolução rápida que poderia separar Dekaranger dos demais Super Sentais desta fase está no surpreendente Deka Wing Robo. Se Gaoranger inovou trazendo os mecha busou com utilidade de armas e acessórios, agora até o próprio robô de combate era capaz de se converter em um finalizador_ no caso, o Deka Wing Cannon.
Irmãos coragem
Super Sentais em que toda a equipe era formada por irmãos ainda era algo pouco usual até a metade dos anos 2000. O único esquadrão assim até então havia sido Fiveman (1990), cujos membros não chegaram a ficar marcados como referência de simpatia, e menos ainda como ícones a ser espelhados. Mas o retorno a ideia soou muito melhor quando combinado ao mote de Magiranger, série que deu tanta importância ao poder da coragem de seus integrantes quanto ao seu tema inovador_ a magia. Diante da grande fatalidade que se confere nos episódios introdutórios, acredita-se, pela lógica, que só mesmo irmãos de sangue, com seus laços além da suposição de terceiros, poderiam superar a dor da perda de uma mãe com luta e aprendizado.
O ponto forte de Magiranger é justamente a forma intensa e diferenciada com que trata a palavra coragem. Aqui, ela deixa de ser um mero item básico de qualquer herói de tokusatsu para ganhar um status de suma importância nos fatos a se desenvolverem. Cada aventura era capaz de se reinventar na saga dos irmãos Ozu, que conquistavam um novo feitiço para ser usado na luta contra os Infershia a cada gesto que fomentasse sua coragem individual. Coletivamente, eles se complementavam a ponto de escreverem uma nova página na história dos Magos Lendários, contada a partir de meados da série. Esse universo de fantasia traria também surpresas na relação dos protagonistas com os vilões e uma aplicação consciente da adição de elementos vitais do planeta na composição dos guerreiros_ algo que sempre garantiu muito potencial para produções similares.
Curiosamente, a mesma coragem que tanto se destacava no poderio dos Magiranger seria importante também para a vida real dos criadores, produtores e roteiristas que realizaram os cinco Super Sentais desta fase que definimos aqui. Observando-os a partir dos dias atuais, não nos resta dúvidas sobre o quanto essa coragem foi essencial para uma revolução evolutiva como esta fosse, enfim, consolidada.
Links para partes anteriores da matéria:
Parte 1 (de Goranger a Denjiman);
Parte 2 (de Sun Vulcan a Dynaman);
Parte 3 (de Bioman a Maskman);
Parte 4 (de Liveman a Zyuranger);
Parte 5 (de Dairanger a Carranger);
Parte 6 (de Megaranger a Timeranger).
Uma evolução com revolução. Esta fase, desencadeada pela virada do milênio, não poderia nos reservar menos que isso. Ainda que fossem muitos os atributos inovadores, nada chamaria tanta atenção aqui quanto a grande recriação da estética visual, profunda o suficiente para ameaçar toda a aura clássica que os Super Sentais carregavam desde Goranger. Nessa mesma trilha, os roteiros a serem criados também não ficariam ilesos às novas transformações. Depois de passarem cerca de 16 anos tentando "prever o futuro" através de suas histórias fantasiosas, era necessário agora observar melhor o presente_ pois o século XXI já era algo real. Por coisas assim, essa fase pode ser vista como a mais delicada do processo de desenvolvimento do gênero. É a partir daqui que percebemos a maioria das mudanças em relação a tudo que vimos antes. E é a partir daqui também que teremos muito mais dificuldade para perceber as mudanças em relação a tudo que ainda virá depois.
Mudanças estas que quase não influíam do que já se conhecia dos procedimentos de filmagem. A carta na manga da vez era o pós-produção. O abandono das edições em película após Timeranger deixaria a série seguinte, Gaoranger, à vontade o suficiente para demonstrar que o uso do GFX como substituto traria benefícios muito além da gama de efeitos especiais mirabolantes que todos aguardavam. Isso porque as possibilidades da computação gráfica eram muitas.
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Os Power Animals de Gaoranger (2001), mechas criados através de recursos de animação: forma e presença |
Justamente por causa disso eu tive grande dificuldade para determinar o limite que daria para esta fase, mesmo analisando profundamente algumas mudanças_ todas sutis demais para garantir uma alteração convicta no "clima" das séries. Pensei muitas vezes em isolar Gaoranger e Hurricanger das demais. Porém, se por um lado eles são parecidos em aspectos de projeção, por outro exibem vários recursos que ainda podem ser encontrados até Magiranger (como o nível de velocidade numa simulação de voo, na representação gráfica de um gattai, etc). Também acho que seria meio injusto com alguns leitores que esperaram mais de um ano por uma nova parte desta matéria receberem uma visão sobre apenas dois Super Sentais. Mas, de qualquer forma, é importante que saibamos de antemão o quão difícil será, a partir de agora, a divisão de fases dentro daquilo que estamos habituados.
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Por meio de um inédito processo gráfico, gattais como o do AbarenOh (de Abaranger, 2003) deram fim à mecanização lenta de muitos robôs guerreiros do passado |
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Representante de respeito entre os movies do gênero, "Gaoranger Vs Super Sentai" (2001) reafirmou o potencial das produções derivadas como nova fonte de lucros |
Compromisso com a emoção
Claro que tanta inovação teria um preço. Para boa parte dos fãs, alguns Sentais desta e da próxima fase eram bem menos envolventes como um todo, se comparados a outros anteriores. Já vi diversas críticas a superficialidade dos roteiros de Gaoranger e Hurricanger, que se apoiaram em temas já batidos. Uma verdade parcial, já que o primeiro soube compensar o retorno ao tema "animais" com um núcleo nada desprezível de vilões, enquanto que o segundo retornou ao tema "ninja" incluindo aquilo que mais faltou em Kakuranger: a rivalidade entre duas escolas.
Em Gaoranger, a hierarquia flutuante dos Highness Duke dispensava uma liderança específica para os Orgs. E em Hurricanger, por várias vezes os irmãos Goraiger pareceram mais próximos do maligno Império Jakanja do que do trio de heróis. Na criação, Gaoranger ainda contribuiria com uma fantástica safra de monstros criativos (referência ainda hoje) e com uma trilha sonora que pode ser considerada a última a ter seguido a linha inovadora de Timeranger (exemplo notável disso foi a música assumidamente lenta da ending).
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Amigos ou inimigos? As intenções reais dos personagens, suas posições hierárquicas e a relação com os heróis constantemente foram grandes pontos de interrogação para os fãs ao longo desta fase |
Mas, no meu modo de ver, o que realmente prendia o espectador a acompanhar esses seriados se concentrava, basicamente, no novo protótipo que estava sendo desenvolvido para as narrações preliminares das tramas e seus grandes momentos. A partir daqui, passou a ser certeza que o esquema habitual visto até então nos episódios iniciais já havia desmoronado. Livres da obrigação de fazer apresentações e narrar origens_ algo que tomava quase todo o tempo de duração deles_, os episódios de estreia passariam a ter mais autonomia para se concentrar em itens como a ação e a fotografia, sempre em busca da velha máxima "a primeira impressão é a que fica". Fatos corriqueiros e biográficos seriam, a partir de agora, diluídos ao longo de todo o seriado, aleatoriamente e de acordo com as circunstâncias. Essa originalidade sobre as estreias pode ter se consumado aqui, mas não devemos ignorar que na fase anterior Gingaman já havia ajudado a estabelecer um novo padrão de ritmo para os episódios iniciais desse gênero, ampliando o número de acontecimentos relevantes num curto espaço de capítulos. Algo que também já havia sido feito na quarta fase, com Liveman, ainda que sem encontrar continuidade pelos dez anos seguintes.
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Momento máximo nos episódios de Abaranger, a elevação dos Dino Guts demonstrava força e beleza irretocáveis: emoção concentrada |
Tal fidelidade, no entanto, era sempre recompensada. Nunca antes houveram arcos tão complexos e bem-acabados como os vistos em Gaoranger e Magiranger, cujos desfechos são tão ou mais admiráveis do que a conclusão final dos próprios seriados. Tanto que foi através de um desses arcos_ o da saga de Rouki, em Gaoranger_ que mais uma evolução profunda foi concretizada na franquia. Na história, um guerreiro de tempos antigos sofria por carregar uma maldição conhecida como "Mal dos Mil Anos". Esse mal só é disseminado após a derrota do Highness Duke Ura na batalha que deu origem ao Gao Icarus, um robô de combate cuja agilidade no voo superava em muito a do Wing Mega Voyager (de Megaranger, 1997). Pincelada pela criação gráfica, essa evolução resultou na combinação perfeita do pioneirismo do Dai Robotto (de Battle Fever J) com a mágica do Variblune (do visionário Goranger). Reparem bem como foram necessários mais de 20 anos para uma evolução desse porte num dos itens mais importantes dos Super Sentais. Após breve pausa, os robôs gigantes voadores teriam seu representante também em Dekaranger, e se tornariam habituais em pouco tempo.
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Lutando ao lado de duas escolas rivais, o Shurikenger (de Hurricanger, 2002) foi um dos beneficiados pelo novo fôlego de qualidade dado aos extra-rangers nesta fase dos Super Sentais |
Esse mesmo talento empreendedor permitiu que Gaoranger criasse um sortimento maior de mechas e, com isso, inovasse ainda mais uma vez junto ao campo dos robôs de combate. Novas combinações poderiam ser feitas agora apenas para armar o guerreiro gigante, ao invés de só dar-lhe um corpo básico. Originalmente, essas combinações são chamadas de busou, e seguem sendo muito importantes para os Super Sentais dos dias atuais. O primeiro mecha busou da história foi o Gao Elephant, conquista da Gao White. Quando combinado ao Gao King, desempenhava a função de espada e escudo, após dividir-se em dois_ gerando o Gao King Sword and Shield. Tão surpreendente quanto isso seria a possibilidade de alguns mecha busou do futuro terem utilidade diferente em alguns robôs secundários, aí já como algum membro ou parte do corpo do mesmo.
Guerra, romance e influência
Eu já falei por aqui sobre a criatividade na concepção dos monstros como um dos grandes trunfos de Gaoranger. Pois um exemplo prático disso pode ser visto também em Abaranger. O Torinoid de nome Yatsudenwani conquistou os fãs tanto quanto os heróis, o que fez dele um dos poucos monstros guerreiros a ter um papel longo e relevante numa série Sentai. Ao invés de ser destruído em um ou dois episódios, o bicho_ mistura de jacaré com telefone_ foi mantido na história para nos fazer rir, seja servindo de escravo aos caprichos do Abare Killer, seja paquerando continuamente a Ranru/ Abare Yellow.
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O AbaRed fortalecido pela forma AbareMax: domínio dimensional e voz alterada no resgate ao prestígio dos líderes Red de Super Sentais |
Mesmo sendo difícil apontar pontos negativos em Abaranger, acho uma pena que, até o presente, essa série ainda não tenha ganho uma legendagem em português com a qualidade que merecia_ isso, logicamente, no meu ponto de vista_, principalmente no que se refere aos primeiros dez episódios. Para uma compreensão íntegra, eu recomendaria a tradução em inglês, cuja solidez é fundamental na ligação com o final do seriado_ para mim, um dos finais mais bonitos e recompensadores que já vi em tokusatsu.
Em 2004, Dekaranger teve a ousadia de apostar na queda de uma tradição até então intocável nos Super Sentais. Pela primeira vez, nenhum império ou organização vilã iria ameaçar a paz da Terra. Como policiais, as missões a serem cumpridas pelos Dekaranger pediam mais dinâmica do que aquele padrão poderia oferecer_ a mesma dinâmica que foi a grande ausência (e único defeito) no excelente GoGo V cinco anos antes.
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A dinâmica de Dekaranger (2004) só foi possível graças a uma grande ousadia na concepção do núcleo de vilões |
Outro exemplo de evolução rápida que poderia separar Dekaranger dos demais Super Sentais desta fase está no surpreendente Deka Wing Robo. Se Gaoranger inovou trazendo os mecha busou com utilidade de armas e acessórios, agora até o próprio robô de combate era capaz de se converter em um finalizador_ no caso, o Deka Wing Cannon.
Irmãos coragem
Super Sentais em que toda a equipe era formada por irmãos ainda era algo pouco usual até a metade dos anos 2000. O único esquadrão assim até então havia sido Fiveman (1990), cujos membros não chegaram a ficar marcados como referência de simpatia, e menos ainda como ícones a ser espelhados. Mas o retorno a ideia soou muito melhor quando combinado ao mote de Magiranger, série que deu tanta importância ao poder da coragem de seus integrantes quanto ao seu tema inovador_ a magia. Diante da grande fatalidade que se confere nos episódios introdutórios, acredita-se, pela lógica, que só mesmo irmãos de sangue, com seus laços além da suposição de terceiros, poderiam superar a dor da perda de uma mãe com luta e aprendizado.
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Os irmãos Ozu lutam para conquistar um novo feitiço em Magiranger (2005): o poder da coragem como meio de superação individual |
Curiosamente, a mesma coragem que tanto se destacava no poderio dos Magiranger seria importante também para a vida real dos criadores, produtores e roteiristas que realizaram os cinco Super Sentais desta fase que definimos aqui. Observando-os a partir dos dias atuais, não nos resta dúvidas sobre o quanto essa coragem foi essencial para uma revolução evolutiva como esta fosse, enfim, consolidada.
Links para partes anteriores da matéria:
Parte 1 (de Goranger a Denjiman);
Parte 2 (de Sun Vulcan a Dynaman);
Parte 3 (de Bioman a Maskman);
Parte 4 (de Liveman a Zyuranger);
Parte 5 (de Dairanger a Carranger);
Parte 6 (de Megaranger a Timeranger).